segunda-feira, 17 de março de 2014

E a Brasilidade?



Na década de 60, Paul Goodman escrevia um de seus mais emblemáticos livros. O livro chamado Growing Up Absurd. Após décadas como psicoterapeuta, e, principalmente, décadas como professor de jovens e crianças, Goodman resolve iniciar claramente sua série de ataques contra a desesperança da juventude americana.
Para Goodman, a crise vivida pelos jovens da década de 60 era na verdade, por incrível que pareça, uma crise no patriotismo. Goodman percebeu algo fundamental na juventude americana, o fato de que havia se tornado imoral ou prepotente sugerir um discurso patriótico. O resultado dessa cisão foi claramente o movimento hippie, que tentou a todo custo viver fora da cultura, e a delinquência juvenil que queria destruir a cultura usando as próprias ferramentas sociais. Pelo menos, esses movimentos ainda queriam ter uma história.
Porém, o grande problema da crise do patriotismo era um erro fundamental: os jovens não conseguiam mais distinguir o Sistema da Sociedade. Assim, culpavam a burocracia, a mediocridade, a soberba e desigualdade como sendo os cavaleiros do apocalipse que aparecem para destruir a vida e que a sociedade estava condenada ao seu constante fracasso.
Quase 60 anos depois, reencontramos o mesmo movimento em solos brasileiros. Hoje em dia, defender a bandeira, o solo e a história brasileira virou um sentimento distante e por isso, é imoral qualquer  sentimento patriótico. Goodman dizia que, o mais triste quando dava aula para adolescentes era que, quando falava sobre Beethoven, sobre Spinoza, sobre Kant, sobre Platão, os adolescentes olhavam para ele meio encantados e meio tristes, pois no fundo, sentiam uma grande inveja dele ter uma história e eles não.
A crise do patriotismo é uma crise da história. O sistema organizado nos fez crer que o Brasil é Dilma, o Brasil é Collor, o Brasil é Lula, o Brasil é o preconceito, o Brasil é a Copa. O Brasil não é um gigante que acordou ou dormiu, mas sim, o Brasil é cada marca da historicidade, cada cheiro, cada sangue, cada vestígio de um passado de lutas de classes e de raças, de submissão e destruição, de vitórias e conquistas, de cada homem que destruiu sua comunidade, mas também todos aqueles que a reergueram. Vestígios que nem o maior dos microscópios vai conseguir captar essas marcas em nossos poros, pois eles são completamente virtuais. É o sentimento de ter nascido e crescido em uma comunidade, que, junto com suas grandes vitorias, mas também com seus maiores defeitos e vergonhas, fazem parte daquilo que estava inscrito em mim muito antes de eu nascer. É aceitar que a “Sociedade que eu vivo é minha” (nome de um dos principais livros de Paul Goodman)
É porque esquecemos que temos um passado, que não vemos qualquer possibilidade de futuro. Quando esquecemos que o mundo já foi diferente, acreditamos com todas as forças que ele jamais vai mudar. E o que nos resta, é olhar para os jardins floridos dos outros países, ou sentar e aguardar a próxima explosão que destruirá mais uma parte de nossa paz.  
Goodman ainda está a espreita, mostrando e sussurrando aos ouvidos humanos que a crise da comunidade é também uma crise da sexualidade e da criação, é uma crise da repressão daquilo que somos e de como somos. Aqueles que se envergonham de sua brasilidade, deveriam parar de gritar aos quatro cantos seu terror e buscar olhar para a sua própria face envergonhada no espelho, que conta a história dos restos de um passado vergonhoso que culmina em sua mais profunda subjetivação. Quer destituir o Brasil? Faça primeiro um exercício de se destituir deitado em um divã, face a face com um psicoterapeuta ou na respiração ofegante de um exercício bioenergético.

Criticar o sistema é necessário, procurar novas formas de relação são necessárias, construir pontes para um mundo melhor é obrigação. Mas correr da própria história, do próprio passado e da própria natureza, isso sim é vergonhoso! 

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