quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Gestalt-terapia perante o Estado

Reminiscências do último encontro do grupo de estudos sobre Paul Goodman:

Até que ponto podemos de fato encontrar uma linha de fuga perante o estado? Uma coisa é clara, o ideal iluminista e o nosso querido Leviatã se mostraram cada vez menos produtivos. A lógica da maioria das teorias políticas modernas é a de que, o homem precisa do estado. Porém, hoje, séculos depois, constatamos a mais dura verdade: o estado não cumpre seu papel.
 A troca é simples e justa, deveríamos nos alienar perante o estado, nos tornando propriedade dele, para que o estado, em troca, nos desse condições mínimas de sobrevivência. Saúde, educação, moradia e comida. Talvez um pouco de diversão. Mas a verdade é que, essa promessa, sabemos por A+B (até também o Z) de que essa prerrogativa nunca foi cumprida. O pensamento de direita reforça a necessidade do estado e que, estaríamos protegidos frente à nossa própria natureza. O pensamento de esquerda reforça um novo estado, com um caráter socialista, mas ainda comprado e travestido pela lógica do capital. Olhando a fundo, a esquerda brasileira quer, antes de qualquer coisa, transformar o proletariado em um consumidor.
A Gestalt-terapia é eminentemente anarquista, e a anarquia é a única política segura. É claro que, não estamos aqui criando uma nova teoria do estado. A nossa reflexão aqui é baseada na ideia de que abordagem gestáltica de Paul Goodman é uma ética, e por isso, as discussões práticas de uma teoria do estado (ou de sua ausência) são secundárias. Além de suas análises pedagógicas e políticas, Goodman também escreveu propostas práticas para ambas as problemáticas.
A questão para Goodman é baseada, na verdade, em uma constatação que as formas mais basilares da vida poderiam concordar: toda forma de funcionamento coercitivo produz o impedimento da excitação e da criatividade. Isso vale para a psicoterapia, vale para a política e vale para a educação. Assim, a única forma segura, afetiva e humana de criar estratégias de desenvolvimento humano é a partir das micropolíticas. São os pequenos grupos, associações, sindicatos, conselhos que podem, efetivamente, compreender e produzir uma transformação social. Aprendemos pela coerção a ser perversos, a construir uma sociedade desigual e injusta. Goodman é claro no livro Gestalt-terapia: a partir de uma leitura antropológica, nós que nos sentimos hegemônicos e que somos filhos da cultura ocidental, erramos no nosso desenvolvimento cultural. Trocamos nossas necessidades mais elementares por abstrações e nos distanciamos de nossa criatividade. Criamos um medo social da criatividade, do sexo, da morte e, pior, da possibilidade de integração.
Vale a pena reclamar um mundo antigo perfeito? Não. Vale a pena derrubar o estado? Não. Vale a pena desistir? Não. Um Foucaultiano sabe que o poder e as artimanhas do poder tem sua genealogia, e que como tal, a opressão não é “natural” ao homem. Na verdade não podemos naturalizar a natureza. Querer retornar a um mundo perfeito, anterior a esse nosso erro antropológico básico é ingênuo. A pergunta é, e agora em diante? O Leviatã já está aí, o estado já é pura coerção, ou seja, os rolézinhos já não podem ocorrer. O gigante, ao levantar, viu que o estado o torna um mero Gulliver: ora se sente gigante amarrado no chão, ora se sente minúsculo.
Assim, como dito anteriormente, a única política segura é construir pequenos grupos. As microsociedades possibilitam um contato mais direto entre as pessoas e a construção de propostas mais integradas às necessidades de cada um. A abstração da magnitude estatal, pressupõe que esqueçamos as relações mais simples da vida. Assim, se queremos alguma mudança significativa no estilo de vida cada um, devemos abrir mão da traição contra nossa própria natureza (como vai dizer Goodman em seu May Pamphlet) e retornar ao contato mais íntimo com as relações comunitárias (que em nada tem a ver com a formação coercitiva das sociedades complexas). Aos poucos, algum sentido pra vida pode ser restaurado, e as relações humanas se tornam mais significativas, excitantes e criativas.

Essa é a utopia gestáltica. 

2 comentários:

  1. Marcus,
    Parabéns pelo texto! É muito bom ver uma Gestalt-terapia que se atualiza, que consegue extrapolar a clínica fechada, que nos serve para questionar e pensar o nosso contexto social e político. Bom também ver uma menção ao Goodman, muitas vezes esquecido na GT brasileira. :)

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