Não há nada de
desejante ou desejável na loucura. A loucura não se insere nos discursos do
consumo.Quer dizer, mais do que o consumo, a loucura não se insere no discurso
da dívida, nos quais a construção da sociedade contemporânea se sustenta. É
somente através dos olhos desejantes de um literário, de um artista, de um
filósofo, de um psicólogo, que enxergamos algo de “interessante” no discurso do
louco. Mas por que a loucura fica a parte desse discurso? Uma rápida
investigação nos levaria a uma resposta mais óbvia: a loucura é estigmatizada e
marginalizada por uma construção sócio-histórica.
Porém essa resposta
é incompleta ou no mínimo ingênua. Há outra dimensão fundamental que atravessa
a loucura, a saber, a angústia. Assim como os discursos envoltos na morte, a
loucura transparece o seu lado mais potente quando acessa aquilo que nela tem
de mais profundo: a angústia como afeto primordial, a angústia como
representante da ausência ou excesso de excitamentos. Essa é a pista de porque,
nos laços sociais, as produções psicóticas não são alvos de um interesse, de
uma curiosidade em volta de suas formações.
Mas nesse sentido,
quem genuinamente se ocupa da psicose? Na verdade, só olha para psicose aquele
que, em alguma circunstância, já foi destituído nos olhares não desejantes da
melancolia, aquele que não construiu um sentido frente as produções alucinatórias,
delirantes, identificatórias, mas sim, construiu um desespero de ver alguém que
ama, acometido do não sentido. Ou então, se interessa pela loucura aquele que
sabe da inalienabilidade da angústia, aquele que mesmo depois de terapias
milagrosas, tratamentos farmacológicos e promessas de todos os discursos da
ciência, no fundo sabe que não está salvo, que vive assombrado pelo retorno do
medo, da ansiedade e da desrazão. Sabe que o canto entoado pelos
gestalt-terapeutas em prol da criação (ou da capacidade do ajustamento criador)
não é uma forma romântica de olhar para o homem. Criar não é fugir da angústia,
é saber que não tem como não olhá-la, mas sempre tem como produzir um ato
perante ela. Não há remédio para o invisível, para a passividade.
Só se ocupa da
Loucura verdadeiramente aquele que desistiu de curá-la, ou mais precisamente,
decidiu renunciar o desejo de superação. Tal como nos mostrou Georges
Bataille, é só na renúncia que há o reconhecimento do impossível, e que, a
clínica da psicose nos ensina que são justamente os jogos de poder, as ironias,
os chistes, os sarcasmos que destroem cada vez mais os sujeitos que fazem
produções psicóticas. É a demanda constante de aceitar e ao mesmo tempo curar
que sufoca o sujeito da psicose.
Entender a clínica
da psicose assim é reconhecer um discurso político implícito a essa concepção.
Toda abordagem clínica possui, mesmo que de forma não declarada, um discurso
político. Talvez esse seja o erro dos psicólogos sociais que acusam a clínica
de elitista e alienada. Ao formalizar uma proposta de terapêutica frente a uma
dimensão de adoecimento, toda clínica constitui um discurso social.
Nesse sentido, a
clínica gestáltica de atenção à psicose tal como é pensada por Marcos e Rosane
Muller-Granzotto, pressupõe pelos menos três dimensões de intervenção. A
dimensão ética pressupõe a acolhida ao estranho, ou seja, acolhida às produções
psicóticas como formas de defesas frente ao excesso ou ausência de demandas
ambíguas. O clínico gestáltico que atende em regime de psicoterapia, busca
salvaguardar o direito de humanidade, ou mais precisamente, o direito de
criatividade às produções psicóticas. Trata-se de, ao reconhecer o processo de
ajustamento criador das produções psicóticas, construir uma escuta que não
demande dessas criações mais do que elas podem suportar. Por isso, não se trata
de eliminar o delírio, a alucinação ou qualquer outra formação psicótica, mas
sim, possibilitar um espaço de organização dessas construções.
Porém, não é
somente com a psicoterapia que se trabalha no campo da psicose. Uma peça
fundamental na atenção à loucura é o trabalho na dimensão política. Esse
trabalho desenvolvido pelo acompanhante terapêutico (AT), é que vai desenvolver
a articulação política, ou seja, desejante, que os sujeitos das produções
psicóticas não são capazes de atender. O AT é aquele que vai às ruas, às casas,
aos trabalhos, para conseguir de fato “secretariar” o campo do desejo, e assim,
desenvolver as possibilidades de inserção política tão insuportáveis para esse
indivíduo.
Por último, não
podemos esquecer a dimensão antropológica, que é aquela que possibilita o lugar
das produções de inteligência social. Além do acolhimento ético e da
articulação política, o psicoterapeuta e o AT também devem se ocupar de
auxiliar os sujeitos da psicose das relações sociais, dos sentimentos, dos
momentos de festa ou formas culturais que sejam suportáveis para eles.
Lembremos que, os sujeitos esquecidos nos hospitais mentais, muitas vezes
abandonados pela família, ou mesmo aqueles que, por situações econômicas mais
abastadas são tutoriados por um cuidador ou algo do tipo, também sofrem pela
estigmatização, pelo esquecimento e pela saudade. Também buscam contatos
sociais e reconhecimento de sentimentos e vontades. É nesse momento, que os
profissionais precisam atentar para o reconhecimento das necessidades dos
indivíduos e, nesse sentido, possibilitar o lugar da festa, do encontro, da
comemoração (ou seja, de memorar juntos). Ou seja, de acolher e possibilitar o
encontro interpessoal possível desses indivíduos.
Sendo assim, a
atenção ética, política e antropológica às produções psicóticas possibilitam
uma verdadeira clínica ampliada, comprometida com as produções individuais, as
construções sociais e as formas de interação que, antes de tudo, superam essa
dicotomia constante nos discursos psicológicos e sociológicos: a
impossibilidade de articulação entre indivíduo e sociedade.
Sugestão de Leitura:
Psicose e Sofrimento
Autores: Marcos e Rosane Muller-Granzotto
Editora Summus, 2012
Clínicas Gestálticas: Sentido ético, político e antropológico da teoria do self
Autores: Marcos e Rosane Muller-Granzotto
Editora Summus, 2012
Gestalt-terapia
Autores: Perls, Hefferline e Goodman
Summus, 1997
CONVITE
ResponderExcluirPassei por aqui lendo, e, em visita ao seu blog.
Eu também tenho um, só que muito simples.
Estou lhe convidando a visitar-me, e, se possível seguirmos juntos por eles, e, com eles. Sempre gostei de escrever, expor as minhas idéias e compartilhar com as pessoas, independente da classe Social, do Credo Religioso, da Opção Sexual, ou, da Etnia.
Para mim, o que vai interessar é o nosso intercâmbio de idéias, e, de pensamentos.
Estou lá, no meu Espaço Simplório, esperando por você.
E, eu, já estou Seguindo o seu blog.
Força, Paz, Amizade e Alegria
Para você, um abraço do Brasil.
www.josemariacosta.com