sábado, 18 de maio de 2013

Sobre Psicose, Desejo e Intervenção


Não há nada de desejante ou desejável na loucura. A loucura não se insere nos discursos do consumo.Quer dizer, mais do que o consumo, a loucura não se insere no discurso da dívida, nos quais a construção da sociedade contemporânea se sustenta. É somente através dos olhos desejantes de um literário, de um artista, de um filósofo, de um psicólogo, que enxergamos algo de “interessante” no discurso do louco. Mas por que a loucura fica a parte desse discurso? Uma rápida investigação nos levaria a uma resposta mais óbvia: a loucura é estigmatizada e marginalizada por uma construção sócio-histórica.
Porém essa resposta é incompleta ou no mínimo ingênua. Há outra dimensão fundamental que atravessa a loucura, a saber, a angústia. Assim como os discursos envoltos na morte, a loucura transparece o seu lado mais potente quando acessa aquilo que nela tem de mais profundo: a angústia como afeto primordial, a angústia como representante da ausência ou excesso de excitamentos. Essa é a pista de porque, nos laços sociais, as produções psicóticas não são alvos de um interesse, de uma curiosidade em volta de suas formações.
Mas nesse sentido, quem genuinamente se ocupa da psicose? Na verdade, só olha para psicose aquele que, em alguma circunstância, já foi destituído nos olhares não desejantes da melancolia, aquele que não construiu um sentido frente as produções alucinatórias, delirantes, identificatórias, mas sim, construiu um desespero de ver alguém que ama, acometido do não sentido. Ou então, se interessa pela loucura aquele que sabe da inalienabilidade da angústia, aquele que mesmo depois de terapias milagrosas, tratamentos farmacológicos e promessas de todos os discursos da ciência, no fundo sabe que não está salvo, que vive assombrado pelo retorno do medo, da ansiedade e da desrazão. Sabe que o canto entoado pelos gestalt-terapeutas em prol da criação (ou da capacidade do ajustamento criador) não é uma forma romântica de olhar para o homem. Criar não é fugir da angústia, é saber que não tem como não olhá-la, mas sempre tem como produzir um ato perante ela. Não há remédio para o invisível, para a passividade.
Só se ocupa da Loucura verdadeiramente aquele que desistiu de curá-la, ou mais precisamente, decidiu renunciar o desejo de superação.  Tal como nos mostrou Georges Bataille, é só na renúncia que há o reconhecimento do impossível, e que, a clínica da psicose nos ensina que são justamente os jogos de poder, as ironias, os chistes, os sarcasmos que destroem cada vez mais os sujeitos que fazem produções psicóticas. É a demanda constante de aceitar e ao mesmo tempo curar que sufoca o sujeito da psicose.
Entender a clínica da psicose assim é reconhecer um discurso político implícito a essa concepção. Toda abordagem clínica possui, mesmo que de forma não declarada, um discurso político. Talvez esse seja o erro dos psicólogos sociais que acusam a clínica de elitista e alienada. Ao formalizar uma proposta de terapêutica frente a uma dimensão de adoecimento, toda clínica constitui um discurso social.
Nesse sentido, a clínica gestáltica de atenção à psicose tal como é pensada por Marcos e Rosane Muller-Granzotto, pressupõe pelos menos três dimensões de intervenção. A dimensão ética pressupõe a acolhida ao estranho, ou seja, acolhida às produções psicóticas como formas de defesas frente ao excesso ou ausência de demandas ambíguas. O clínico gestáltico que atende em regime de psicoterapia, busca salvaguardar o direito de humanidade, ou mais precisamente, o direito de criatividade às produções psicóticas. Trata-se de, ao reconhecer o processo de ajustamento criador das produções psicóticas, construir uma escuta que não demande dessas criações mais do que elas podem suportar. Por isso, não se trata de eliminar o delírio, a alucinação ou qualquer outra formação psicótica, mas sim, possibilitar um espaço de organização dessas construções.
Porém, não é somente com a psicoterapia que se trabalha no campo da psicose. Uma peça fundamental na atenção à loucura é o trabalho na dimensão política. Esse trabalho desenvolvido pelo acompanhante terapêutico (AT), é que vai desenvolver a articulação política, ou seja, desejante, que os sujeitos das produções psicóticas não são capazes de atender. O AT é aquele que vai às ruas, às casas, aos trabalhos, para conseguir de fato “secretariar” o campo do desejo, e assim, desenvolver as possibilidades de inserção política tão insuportáveis para esse indivíduo.
Por último, não podemos esquecer a dimensão antropológica, que é aquela que possibilita o lugar das produções de inteligência social. Além do acolhimento ético e da articulação política, o psicoterapeuta e o AT também devem se ocupar de auxiliar os sujeitos da psicose das relações sociais, dos sentimentos, dos momentos de festa ou formas culturais que sejam suportáveis para eles. Lembremos que, os sujeitos esquecidos nos hospitais mentais, muitas vezes abandonados pela família, ou mesmo aqueles que, por situações econômicas mais abastadas são tutoriados por um cuidador ou algo do tipo, também sofrem pela estigmatização, pelo esquecimento e pela saudade. Também buscam contatos sociais e reconhecimento de sentimentos e vontades. É nesse momento, que os profissionais precisam atentar para o reconhecimento das necessidades dos indivíduos e, nesse sentido, possibilitar o lugar da festa, do encontro, da comemoração (ou seja, de memorar juntos). Ou seja, de acolher e possibilitar o encontro interpessoal possível desses indivíduos.
Sendo assim, a atenção ética, política e antropológica às produções psicóticas possibilitam uma verdadeira clínica ampliada, comprometida com as produções individuais, as construções sociais e as formas de interação que, antes de tudo, superam essa dicotomia constante nos discursos psicológicos e sociológicos: a impossibilidade de articulação entre indivíduo e sociedade.

Sugestão de Leitura:

Psicose e Sofrimento
Autores: Marcos e Rosane Muller-Granzotto
Editora Summus, 2012

Clínicas Gestálticas: Sentido ético, político e antropológico da teoria do self
Autores: Marcos e Rosane Muller-Granzotto
Editora Summus, 2012

Gestalt-terapia
Autores: Perls, Hefferline e Goodman
Summus, 1997

Um comentário:

  1. CONVITE
    Passei por aqui lendo, e, em visita ao seu blog.
    Eu também tenho um, só que muito simples.
    Estou lhe convidando a visitar-me, e, se possível seguirmos juntos por eles, e, com eles. Sempre gostei de escrever, expor as minhas idéias e compartilhar com as pessoas, independente da classe Social, do Credo Religioso, da Opção Sexual, ou, da Etnia.
    Para mim, o que vai interessar é o nosso intercâmbio de idéias, e, de pensamentos.
    Estou lá, no meu Espaço Simplório, esperando por você.
    E, eu, já estou Seguindo o seu blog.
    Força, Paz, Amizade e Alegria
    Para você, um abraço do Brasil.
    www.josemariacosta.com

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