quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

PSICOLOGIA CLÍNICA: PROFISSÃO, RESPONSABILIDADE E ÉTICA


Depois do post anterior sobre as especificidades da atuação do psicólogo, algumas pessoas têm me perguntado sobre a formação do psicólogo clínico. A pergunta mais básica, e que é fundamental, que eu tenho ouvido é: “Eu posso abrir um consultório se eu não tiver feito a ênfase em clínica?”. Sem dúvidas é muito pertinente a questão, pois ela abrange desde questões legais até os aspectos éticos da atuação clínica.
Primeiro ponto fundamental diz respeito aos aspectos legais da formação do psicólogo. Como dito no post anterior, a formação do psicólogo é generalista. Mesmo com a proposta das Ênfases, não aparece no diploma do psicólogo nenhuma referência à qual(is) ênfase(s) ele cursou, muito menos qual abordagem ele fez estagio. A formação do psicólogo permite o profissional atuar em qualquer área da psicologia, incluindo a clínica.
Historicamente, a psicologia (no Brasil) ficou muito atrelada ao desenvolvimento da psicologia clínica. Nas duas últimas décadas houve um movimento intenso de transformação da psicologia dentro do contexto das práticas sociais, o que reforçou o que até então era somente uma possibilidade: a entrada da psicologia no contexto das políticas públicas. Mais do que o psicólogo clínico (que era o cargo chefe da procura das pessoas por esse curso) a psicologia procurou desenvolver estratégias cada vez mais potentes para se mostrar apta a atuar no SUS, no SUAS, nas escolas, nas empresas, no esporte, na área jurídica entre várias outras possibilidades. A atuação do psicólogo é plural, e por isso, sua formação também deve ser plural.
Esse é contexto de duas grandes mudanças: 1) a oficialização da psicologia como área da saúde; 2) O nascimento das novas diretrizes do curso de psicologia que levantam a capacidade de autonomia dos estudantes e que os possibilita não uma especialização precoce, mas sim, uma escolha de onde os alunos querem aprofundar os seus estudos.
Nesse sentido, o caminho percorrido pelo sistema conselho (ou mais especificamente a Associação Brasileira de Ensino em Psicologia, a quem o conselho delegou a discussão sobre a formação do psicólogo) se estabeleceu a partir do reforço da pluralidade das práticas psicológicas e a autonomia do estudante frente a elas.
Trago toda essa discussão para mostrar que não existem vítimas ou culpados no que aponto agora em seguida:
1)     Para o desenvolvimento da pluralidade da psicologia, foi necessário reduzir a ênfase que os cursos davam à formação do psicólogo clínico. Sendo assim, os cursos não possuem mais (e como visto anteriormente, isso é de modo intencional) uma formação focada nas questões próprias da clínica. As novas diretrizes dão brecha para que seja possível que um aluno não faça um aprofundamento sobre a clínica, não faça estágio clínico e ainda sim ele pode (já que é um psicólogo generalista) atender como psicoterapeuta quando se formar.
2)     Cada vez mais me convenço de que toda a discussão sobre as abordagens clínicas (não vou dizer nem psicológicas) não interessa diretamente a política implícita dos sistemas conselhos. Todas as cartilhas criadas pelos conselhos apontam para uma possível leitura neutra em relação a essas questões (mas que na verdade são fundadas na leitura sócio-histórica), o que reforça que o contexto de atuação da psicologia no âmbito da psicoterapia, não é diretamente assistido por essas instâncias. Não existem legislações explícitas sobre quais abordagens são reconhecidas e muito menos instrumentos claros de avaliação que estabeleçam quais abordagens podem ou não ser utilizadas. Isso porque, se a psicologia precisou se consolidar como ciência para se tornar profissão, ela abraçou uma boa quantidade de práticas que não se inserem no discurso da ciência (como a Psicanálise, a Gestalt-terapia, a Abordagem Centrada na Pessoa, só para levantar alguns exemplos). Assim, como ela pode se utilizar de um discurso não-científico para se constituir como ciência? É sem dúvidas um problema.
3)     Se olharmos as discussões dos anos temáticos produzidos pelo conselho, o ano da psicoterapia foi o ano que menos (na verdade nenhuma) produziu estratégias políticas e ações da classe dos psicólogos em relação ao campo da psicoterapia. Na verdade existem ações do conselho de apoio à ABRAP (associação brasileira de psicoterapia) que é uma instituição que NÃO é formada só por psicólogos.
Sendo assim, a questão não é o que nossa profissão permite que sejamos e sim, o que eticamente estamos aptos a fazer. Nenhum médico termina o curso de medicina como psiquiatra ou pediatra, ele precisa fazer uma residência que o torne apto para atuar em uma especificidade. Por que na psicologia tem que ser diferente? Por que acham que 5 anos é suficiente para formar um clínico? Não conheço qualquer abordagem séria que não fundamente sua prática na tríplice: terapia pessoal, formação teórica e prática supervisionada. Se o curso de psicologia não coloca como condição do aluno fazer o próprio processo psicoterápico, se a psicologia como profissão não formaliza a discussão sobre abordagens, e na formação do psicólogo há uma brecha que permite que o psicólogo se forme sem estágio em psicoterapia, logo, do ponto de vista da lógica, o curso não prepara ninguém para ser psicoterapeuta.
Não vou aqui discutir se a psicologia clínica é mais que a psicoterapia (o que sem dúvida é), mas sem dúvida meu apelo é da responsabilidade dos psicólogos em reconhecer a seriedade da clínica e de que, para ser psicoterapeuta, o curso de psicologia não é o suficiente. O exemplo que eu dei da medicina é para mostrar que, na verdade, a formação generalista do psicólogo não o torna totalmente capacitado a agir em qualquer contexto, o que pede a atualização e comprometimento com a profissão em qualquer contexto.
De forma alguma critico a formação do psicólogo, pois ainda acredito que esta é uma das melhores formações para os psicoterapeutas. Porém, isso não retira a necessidade que urge, de uma qualificação profissional (e respeito com os clientes/pacientes). Isso em nada tem a ver se, na sua formação como psicólogo, você vai optar por saúde, gestão, educação, social ou etc.
A questão é simples: não quer se aprofundar numa leitura psicoterápica, não quer fazer terapia e não quer fazer supervisão, faça um favor a você e ao mundo, não seja psicoterapeuta!

2 comentários:

  1. Excelentes colocações.
    Gostaria que todos os estudantes (e até alguns "profissionais" formados) lessem.
    Parabéns.
    Cristine Cabral

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  2. Que bela reflexão!Se tivessemos pelo menos metade dos profissionais que pensassem assim, a psicologia seria bem diferente!Parabéns...

    Vitória Régia

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