quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Resposta em uma supervisão

Tenho dito constantemente que os conceitos da GT só fazem sentido a partir da práxis. A GT é uma aobrdagem clínica, social e educacional (esta era a intenção inicial do livro Gestalt-terapia). Seus conceitos foram desenvolvidos a partir da leitura destes campos.  
Muitas vezes, eu preciso de uma discussão em grupo para que estes conceitos fiquem claros pra mim. Ultimamente, tenho me dedicado ao estudo da GT a partir da vertente de P. Goodman, e a teoria do self. Principalmente, o modo como o livro Gestalt-terapia apresenta a abordagem, e as releituras de Jean Marie Robine e Marcos e Rosanne Muller-Granztotto. 
Meu objetivo é afirmar as diferenças de estilo entre a GT de Goodman e a de Perls para depois propor uma nova integração. Ou seja, refazer o caminho que muitos já trilharam.
Eis uma discussão a partir da colocação da terapeuta-em-formação de , ao final da sessão com a cliente, ter se sentido "chata":


O importante observar é como o campo da relação terapêutica se estabelece. Na relação que vocês tiveram, algo (do campo) fez com que você se sentisse "chata". As perguntas na verdade são: você normalmente se sente chata? Esse sentimento é fruto do campo que se estabelece entre vocês ou de algo que se manifesta em outras relações? Como você se sente em não ter correspondido à necessidade dela?

Perceba que aqui, estas questões são necessariamente o que nos interessa no nosso pólo (terapeuta). Se esta sensação é recorrente, e é algo que de certa forma incomoda, precisamos investigar como esse ajustamento evitativo (ou seja, uma forma de evitação de um excitamento) aparece. A grosso modo, buscar enxergar se o sentimento é "seu" ou "do campo". (digo a grosso modo porque nunca algo é precisamente "meu" ou “seu”)

O cliente nos envolve num campo que nos arrebata. Um campo que não é uma divisão clara entre o que sou eu e o que é o semelhante (o cliente), na linguagem da GT: participamos de um só sistema self. O campo produz excitamentos (função id) que de algum modo e sua interrupção gera ansiedade. Ele sente a necessidade de interromper o excitamento, pois não é capaz de lidar com o novo. Precisa do velho, do usual do que já está estabelecido, a saber, aquilo que está retido como fisiologia secundária. Ele não é capaz de deliberar totalmente sua ação de contatar o que aparece (função ego)  Ele repete isso na relação terapêutica. Como a relação não é feita de 1+1 (terapeuta e cliente) e sim um só campo clínico (o sistema self). Os excitamentos e a repressão do cliente também são suas, elas te mobilizam, te incomodam, te aliviam. Elas produzem em nós terapeutas uma "sensação".

Essa sensação é a própria clínica. Frente a essa sensação temos duas opções: Assim como cliente reprime, nós também podemos reprimir o que acontece e fingir uma suposta "neutralidade", operando somente em cima do que o cliente faz e no conteúdo que ele produz; ou, explorar isso que se estabelece no campo e buscar trabalhar com isso que o cliente produz em você, não atender às suas demandas (frustração) e buscar produzir um desviante, ou seja, algo que foge do determinado, do combinado, do já dito e feito. Aí sim, possibilitar condições para que o cliente observe isso, se encontre com o que aparece, na relação segura da terapia.

Assim, o sentido ético da gestalt-terapia, é justamente dar lugar ao "outro". O outro não é alguém no sentido de uma individualidade. o "outro" não são os nossos semelhantes. O "outro" da relação é justamente o "estranho" que se manifesta na relação, tanto em você quanto no cliente. É o insight que aparece quando o cliente fala algo que, mesmo sem a intervenção objetiva do terapeuta (uma pontuação como alguns costumam chamar), faz com que ele sinta algo de diferente. O "outro" é o que, a partir de uma escuta sincera, possibilita o cliente encontrar-se com seus próprios modos de funcionamento e suas próprias saídas. O "outro" é justamente o sentimento na terapeuta de se sentir "chata" e isso a faz, na relação e depois dela buscar voltar-se a si novamente!

2 comentários:

  1. Oi Marcus, é Juliana aqui de Joinville - Santa Catarina, lembras dos semina´rios com Delacroix e o GT? Muito bom te encontrar por e poder ler teus textos. Gostei muito da forma como descreve este campo relacional que se estabelece a cada nova sessão, a cada nova vivência. E o "outro" este estranho que habita em cada um de nós...
    Abraços, Juliana

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  2. marcuscezar@gmail.com27 de janeiro de 2011 às 02:33

    Ola Juliana! Tudo bom? Muito obrigado! Acredito que o nosso maior desafio enquanto gestalt-terapeutas é justamente buscar compreender e apreender o campo que se estebelece. Sendo nossa única ferramenta, trabalhar com o campo e compreender a integração não-una com o cliente, é a única forma que eu vejo de facilitar que algo aconteça no processo psicoterápico.
    Abraços e volte sempre!=)
    Marcus Cézar

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