quinta-feira, 1 de abril de 2010

Contato, Virtualidade e Internet: uma discussão a partir da abordagem gestáltica


            O tema da internet me arrebata todas as vezes que penso nele.  As questões que me coloco são: que inter-relações podemos fazer entre a gestalt-terapia e a internet? Seria a “experiência virtual” uma experiência real? É possível a experiência de contato via internet?
            O que imediatamente me vem é que a internet é um campo de “virtualidade”. Duas palavras aproximam o tema da abordagem gestáltica: campo e virtualidade. Comecemos pela virtualidade. Dois equívocos precisam ser superados ao se falar de virtualidade, o primeiro é que “virtual” está atrelado sempre à internet, e o segundo é que “virtual” se opõe à real.
            Segundo Pierre Levy o termo “virtual” vem do grego virtus que significa, grosso modo, força ou potência. Para a filosofia escolástica, o virtual era o que existia em potência e não em ato.  Desta forma, uma semente seria virtualmente uma árvore. Contemporaneamente, para Deleuze, Pierre Levy e outros (sugiro o “Diferença e Repetição” de Gilles Deleuze e o “O que é o virtual?” de Pierre Levy para mais sobre estas questões),, o virtual é “o nó problemático” (Levy) que pede uma solução para a situação. Sendo assim, o virtual se opõe ao atual e não ao real. Tendo a resolução do problema, ele chamar isso de atualização. A atualização é a passagem do virtual para o atual.
            Ora, desta maneira não temos mais a idéia de que o virtual é algo irreal, muito menos que necessariamente está atrelado ao campo da internet. A própria experiência de contato na gestalt-terapia é uma experiência virtual, pois ela é a emergência de um problema que pede uma atualização (ou um fechamento para ficar mais coerente com as nomenclaturas da abordagem).   O que isso tem a ver com a internet? A Experiência virtual não é então uma experiência irreal ou falsa. A internet ou rede mundial de computadores é um “espaço” (volto já para esta questão do espaço) de troca. Segundo a psicóloga Ana Maria Nicolaci da Costa no livro “Cabeças Digitais”, a internet possibilita o contato com tudo e com todos. Ao acessar a internet, estamos ligados a uma rede informacional que nos permite ter acesso a pessoas de todo o mundo e informações sobre praticamente tud. Esta “teia” (em inglês se usa o termo web para falar da rede mundial de computadores) de informações faz com que hoje em dia as pessoas possam conversar via internet, acessar o banco, fazer compras, trabalhar, aprender, se divertir, namorar, fazer sexo, e até praticar alguns crimes como roubos, pedofilia etc! A internet é um “espaço desterritorializado”, ou um espaço virtual, onde a emissão de uma informação ganha um caráter virtual que se atualiza em cada acesso, mas que novamente se virtualiza. É o próprio processo dinâmico de articulação de informações, relações, e por que não, vínculos.
            Mas e o contato? O contato, para Perls, Hefferline e Goodman, é a experiência mais simples e primeira, é o self em atuação no campo organismo/ambiente (olha o campo aqui!). Este campo não é necessariamente “físico”, é um campo experiencial que se demarca por uma questão puramente didática. Volto a dizer, o contato é a experiência mais simples e primeira, qualquer divisão que aconteça entre organismo e ambiente é secundária e posterior ao contato.
Se pensarmos no próprio processo fenomenológico de observar a experiência de contato, o caráter da redução nos faz suspender as concepções pré-estabelecidas de mundo, de corpo, enfim, de qualquer dicotomização. Imaginem a cena: dois enamorados se falando em tempo real por um programa de computador via internet, os dois não se vêem há dois anos, e um deles solta um singelo “eu te amo” acompanhado de “sinto sua falta”, as lágrimas rolam, ele sente um arrepio no corpo, ela se lembra do primeiro beijo; ele engole seco e umedece os lábios; ela se sente segura; ele pensa “vale a pena mesmo com a distância” e ela pensa “estou inteira aqui”. Como pensar que isto não se configura como um contato? Como pensar que isto não é uma situação que se atualiza e se virtualiza constantemente?
O conceito de self em Perls, Hefferline e Goodman, e o conceito de contato não pedem uma territorialização, não pedem uma “estrutura”.  Pedem uma noção de processo, um campo organismo/ambiente (que tal como o “ciberespaço”, não é necessariamente territorializado).Se pensarmos o contato como uma experiência temporal, e não espacial, ele permite ser uma experiência virtual. Mas ela seria real ou imaginária? No contato, as fronteiras entre o real e o imaginário se perdem. Como já nos mostrou Merleau-Ponty em “A dúvida de Cézanne”, separar estas duas instâncias cria uma noção de realidade morta, estática, pois todas as nossas relações são atravessadas por múltiplos fatores no campo. A experiência (o contato) é sempre um todo, acima de qualquer dicotomização e anterior a qualquer teorização ou explicação.
Eu acredito que ainda precisamos discutir bastante a questão da internet. Blogs, comunidades virtuais, Grupos de E-mails, Educação a distância, sexo virtual, terapia virtual, todas estas questões invadem o cotidiano das pessoas, e por isso mesmo, trazem reflexos nos modos de relação de todos. A psicologia (e aqui especificamente a gestalt-terapia) não pode simplesmente fechar os olhos para este evento que se mostra figura na nossa frente. Porém,  um ranço “moderno” muitas vezes nos faz desqualificar o estudo do que é novo. A internet estaria acabando com as relações interpessoais? Não sei responder, mas vale ressaltar que disseram a mesma coisa da televisão e do telefone! Eis porque é um fenômeno de extrema importância para os nossos estudos.

2 comentários:

  1. interessante. Me gusta .Gostei de entender o conceito de virtualidade e acho realmente que a questão do contato deveria ser um pronto crucial na tua dissertação. vai nessa que vai ficar ótimo!podemos re-trabalhar esse conceito de contato na gestalt terapia que sempre ficou muito preso às danças guturais dos bioernegéticos.....

    bjs. rafael.

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  2. vejo uma ótima perspectiva de aprofundamento diante dessa temática abordada, visto as mudanças de comportamento, conduta, linguagem, e de profundas transformações sociais estabelecidas por um diferente modelo de sociedade apresentada a partir da vivência com a rede mundial de computadores.

    Michael Marques

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