domingo, 30 de agosto de 2009

Ciência, filosofia, Psicologia e Psicoterapia

Não consegui pensar um nome menor para esse tópico. Mas fiquei pensando bastante sobre a discussão que está acontecendo entre eu, André e Rafael, mas especificamente entre os ultimos comentários do André em resposta ao do Rafael.
Acredito que se inicia ai um novo topico pra o dialogo: o do critério de cientificidade da psicologia. Concordo plenamente contigo Rafael, quando afirmas que a psicologia sem a filosofia não é nada, pois todo conhecimento precisa da filosofia como algo que autorga o movimento pensante. Mas é um ponto a ser considerado o de que a psicologia deve ser pensada como parte de um fundamento científico, como você pontua André. Porém isso me faz pensar sobre o que seria esse critério científico da psicologia, pois não conheço bem a compreensao apresentada por Deleuze e Guatarri no o que é a filosofia? onde eles falam dos planos da ciencia e da filosofia.
Quando penso em ciência, me vem uma idéia bem ultrapassada, porém válida e utilizada, onde a partir de Francis Bacon a ciência se estabelece como uma tentativa de prever e controlar a natureza.
Dessa forma, em que aspectos a psicologia se proporia a prever e a controlar o seu objeto de estudo? Sabemos que isso é em parte verdade e que por isso a necessidade de uma discussão ética do movimento psicológico.
Porém, na nossa forma de fazer psicoterapia (e aqui eu reduzi mais ainda o campo da psicologia) a previsão e o controle não faz parte dos objetivos do desenvolvimento clínico.
A ciência psicológica que propomos ( e aqui de certa forma eu incluo a psicanálise, a abordagem centrada na pessoa e a gestalt-terapia) a grosso modo (cada qual em sua especificidade) compreende o fênomeno humano como virtual (no sentido deleuziano e aristotélico da palavra) e por isso criativo ou imprevisível. O humano é aquilo que, de certa forma, sempre possui um movimento desviante.
Assim de novo pergunto como podemos fazer ciência psicológica,  que ciência é essa que se estabelece e qual o critério de cientificidade que podemos atribuir ao que é humano.
Inauguro neste post um novo marcador, o da filosofia da ciência, e com isso uma nova questão a ser buscada....

12 comentários:

  1. Não acompanhei a discussão que deu origem, mas como chato de plantão (e cientista assumido) questiono:

    Será que a Psicologia em algum momento deixou de querer ser ciência?

    A pergunta é uma grande provocação mesmo. Embora o MC aponte que tem a idéia ultrapassada de ciência, praticamente nenhum livro de filosofia da ciência vai negar que o objetivo é previsão e controle. É assim desde Bacon, e é assim que a Ciência, uma das filhas da sociedade de mercado, se desenvolveu na cultura ocidental.

    É interessante perceber que, se quiser, pode mudar a idéia de "previsão e controle". Os nomes parecem recheados de pre-conceitos e concepções semânticas que causam repugnância em boa parte dos psicólogos. Mas pode chamar de "explicar e intervir", se quiser.

    Quando o psicoterapeuta procura promover uma mudança na pessoa - seja como quer que ele chame essa mudança - isso é controle do comportamento.

    Quando o psicoterapeuta procura ensinar a um estagiário/treinando a ser psicoterapeuta, e ensina uma técnica ou um modo de fazer terapia (seja pela livre associação, condições facilitadoras ou whatever), ele procura promover uma mudança no comportamento do cliente/analisando/etc. Se ele acha que aquele modo é útil para isso, ele está falando em prever.

    Pode-se argumentar: nunca sei o que acontecerá após uma intervenção. Tudo bem, não muda o controle. Acreditar que o psicoterapeuta / psicólogo / cientista pode prever todas as variáveis de seu objeto é no mínimo inocência, e no máximo ignorância da complexidade de seu objeto de estudo.

    E aí, nem os cientistas da física se enganam em achar que compreendem e controlam totalmente seu objeto. Não é o cientista que aborda o homem que deveria se enganar, muito menos se desesperar em não poder fazê-lo. Mas, mesmo que jamais tenha-se certeza dos efeitos de sua intervenção, isso não significa que ele deixou de ter algum grau de previsão e controle.

    inté,

    Neto
    (Metido, mas estava faltando um analista do comportamento nesse debate!)

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  2. Neto meu amado, quando vc fala eu tenho que me calar. Sua clareza de pensamento é invejável e nos seus termos não posso discordar.

    Mas, quanto à psicanálise preciso enfatizar algo. A psicanálise não buscar modificar o comportamento de ninguem, aliás, não busca modificar nada. Entendo perfeitamente que isto pode ser somente uma questão semântica ou de uma rede de significantes para uma tal epistemologia. No entando, creio que vai mais adiante. Modifica-se para ficar de que modo? Qual o padrão? qual o ideal de saúde e bem estar? um analista não quer que alguem fique " bem" ou saudável, porque a ética do desejo não tem a ver com um bem...ou com saúde. Tem tão somente a ver com o desejo, e o desejo ás vezes não é o ideal de saúde ou bem estar de uma sociedade ou modelo bio-políticop do que é o bem viver. às vezes, o desejo , e quase sempre, é trangressor, desviante e mortal. Mas, é o desejo e, na psicanálise, o que há de humano em nós é o desejo. Na verdade, a pulsão é o que nos faz humanos para a psicanálise. O desejo é um destino possivel ao que exige a pulsão.
    Bem, de todo modo seu ponto é válido, e muito. Ando estudando filosofia da mente e seus questionamentos estão constantemente comigo quanto ao método psicanalítico. A pergunta que não se cala nunca é de fato: o que nos faz humanos? conheces esse livro? Irias gostar muito.
    Anseio muito em conversar ao vivo com vc , longamente.. Sabes que o primeiro encontro de Freud e Jung durou 14 horas ne?
    Quero um assim com vc.
    beijos...
    não sou um bom cientista, mas deles o mundo já tá bem cheinho. Na verdade, a única coisa que consigo ser é bem curioso e metido a inteligente.
    e psicanalista , nas horas vagas.
    rafael

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  3. Ola Irmão, o bom da discussão em família é que não pode xingar a mãe! =P

    Eu concordo com o Rafael nesse ponto. Talvez eu pudesse ir por esse caminho de que não existe um ideal a ser alcançado enquanto saúde na psicoterapia, e que o caminho seria o ajustamento criativo. Porém existe um outro ponto. Concordo contigo que se trocarmos por "explicar e intervir" a coisa fica mais leve, mais possível de ser "digerida" pelo preconceito da psicologia. mas sobre isso queria levantar dois pontos:
    1) Acredito que a psicologia é sim científica, temos que levar em consideração que os nossos cursos são extremamente "psicoterápicos" e o caráter científico da psicologia é muito pouco estudados. Os chamados "processos básicos" os estudos sobre a memóriza, aprendizagem, o desenvolvimento humano, e os próprios estudos laboratoriais que vocês desenvolve por aí tudo isso é secundário (to falando mais especificamente dos cursos que passamos por aqui em fortaleza). Porém a psicoterapia passa por um segundo âmbito, que falando de uma psicoterapia gestáltica tem a ver com o que o Rafael falou, pois acredito se aproxima também de uma Ética (no sentido de ethos, uma morada, um lugar para) , mas que não vou colocar como foco aqui-e-agora (péssimo trocadilho).

    2) O que eu coloco em questão é o critério de cientificidade. O fato de querer explicar e intervir por si só não é critério. Concordo que estamos sempre intervindo, o simples fato de estar com o cliente é por si só uma forma de intervenção, e dentro da epistemologia humanista, essa é a principal intervenção. Talvez pudessemos ainda mudar a formula mais uma vez para "compreender e intervir" para estar mais próximo da idéia de ciência humanas e acompanhando a conceção de Dilthey, seguido po Husserl, Heidegger e etc. Mas ainda sim, o que faz da psicoterapia ciência? O esoterismo se se propõe a "explicar e intervir", a medicina chinesa "explica e intervêem", o conhecimento xamãnico (do qual alguns teóricos agora estão insistindo em dizer que é de lá que vem a psicoterapia, inclusive isso está no textos geradores do ano da psicoterapia do CFP) busca a mesma coisa. Por isso é que eu acho que temos que buscar primeiramente essa noção de ciência.

    Beijos e abraços a todos
    M.C.

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  4. Eu acho essa discussão útil, apenas, porque estou entre amigos muito queridos, e acabo, indiretamente, encontrando um canal de expressar a saudade numa forma polida de problematização intelectual. Estava imaginando, agora a pouco, que se estivesse numa sala ou conferência, provavelmente já teria compartilhado o quão patética é essa discussão para mim. E, talvez, o quão velho e sem interesse eu me vejo para discutir o que já é "óbvio" sob o prisma do que tenho estudado. Eu acho que estou exatamente na margem oposta do Rafael: minha definição no mundo é como psicólogo e, sob as bençãos da República, essa é uma profissão regulamentada (1962). Quer isso dizer que, dentre a panacéia de atuações e ofícios, esta daqui, exercitada pelo Profissional da Psicologia, é disciplina por uma Autarquia - ou, dito de outra maneira, uma personalidade jurídica de direito público. Então, isso já é importante para dizer que não estou falando da "Psicologia" como abstração internacional, como "Campo" ou como "Área", muito menos me interessa a tal "Psicologia" como saber ou como conhecimento, ou, menos ainda, a "Psicologia" produzida no cotidiano da Universidade. Ainda que todas estas Psicologias sejam legítimas, nós sabemos que suas respectivas estirpes não são suficientes para forjar sua inclusão política em nossa profissão. Temos inúmeros exemplos para isso: os mais banais é o caso da Psicologia TransHumanista, que surgiu, basicamente, com os mesmos criadores do Humanismo Americano, ambos no mesmo período histórico, e, nem por isso, foi "incluído" no Brasil. Produção válida nas Universidades americanas, e aqui mesmo no Brasil, e, nem por isso, adentrou as portas que referendam a "boa" prática brasileira. Estou dizendo isso para também me posicionar que é completamente absurda a tentativa de impor Filosofia e Psicanálise dentro de uma Ciência, sob o argumento de que não há conhecimento e desenvolvimento do mesmo à margem de um bom juízo filosófico. Eu poderia dizer que não há conhecimento sem reflexão exaustiva mas gostaria de informar, para surpresa da nossa formação precária, que a reflexão não é privilégio exclusivo da Filosofia -- e que, pelo amor das Divindades, saibam também que nem tudo que é formulado como racional implica em uma criação Filosófica. Isso é um atentado ideológico pós-colonialista: exemplo, se a Filosofia (como vocês referem-se, é Ocidental), então, em algum momento do período Grego, ela surge. Se ela surge, antes dela não havia arquitetura e estruturação filosófica, posto que a nossa compreensão de Racionalidade, no OCIDENTE, também é derivativa de qualquer coisa que atrelamos aos nossos ancestrais remotos gregos. Mas eu não preciso lembrar que antes da Grécia havia mundo, e antes do mundo e da racionalidade Grega, havia pensamento e FILOSOFIAS. Porque ninguém nunca, nessa Psicologia Colonialista, falou, então, das Filosofias (Emancipatórias?) Egípcias, Asiáticas (Hindu, Sino-Tibetana etc), Persas, Africanas? E vamos mais além: depois da Grécia, o mundo inteiro continuou sem pensar? Não existe nesse planeta outra forma de construir reflexão e ponderação acerca da realidade e da materialidade fora desse modelo de pensamento grego batizado de Filosofia?

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  5. Se é verdade que a Filosofia ocidental e grega não detem o monopólio e os royalties do pensamento, é óbvio que pode haver reflexão fora dos parâmetros da Filosofia. E, talvez, estou novamente retomando as demarcações para o que chamamos de Filosofia e o que chamamos de Ciência. Ou, melhor dizendo, estabelecer fronteiras para sabermos onde um começa e onde termina, porque um não se confunde com o outro a ponto de ganharem nomes, aplicações e expectativas radicalmente distintas. Nesse prisma (e estou me referindo a esse livrinho genial do Deleuze, e suas categorias e especificidades de "campo de referência" e "campo de consistência", respectivamente para delimitar os propósitos da Ciência e da Filosofia) é óbvio que eu concordo com as definições passadas que herdamos, e ainda sugerem que a Ciência "prevê e controle", ou, no português mais diplomático, "explica e intervêm". A Filosofia pode "compreender", e eu diria uma Filosofia Clínica pode "compreender e intervir". Mas não a Ciência -- ela, simplesmente, não se satisfaz com a "pobreza" de segurança que a compreensão fornece; seu desespero sintomático é tão mais vultuoso que não basta apenas "compreender", é preciso inferir, manejar, manipular, arazoar algo, mínimo que seja, circunstancialmente instável que esteja (e volto para o Deleuze, ao dizer que o plano de referência localiza os pontos de functivos com os quais uma afirmação é possível, à custa de redução do infinito). Um ponto operacional nessa discussão é que, por equívoco, muitas vezes está se falando de "Psicoterapia" sob o nome da "Psicologia". A *merda* da Psicoterapia não foi, nunca, Psicologia. Surgiu à margem, desenvolveu-se à margem e à margem permaneceu. Nos Estados Unidos, a Psicologia segue, muito bem obrigado, sem nunca ter se confundido com Psicoterapia, muito menos com Clínica. E o fato de Psicoterapeutas, como o Rogers, por exemplo, utilizarem-se de métodos investigativos também acoplados aos experimentos científicos não impõe, tangencialmente, um plano de referência científico à Psicoterapia. O mero compartilhar de seringas, ainda que contamine dois usuários, não torna a realidade de um a mesma para o outro. É verdade que fizemos várias injeções metodológicas na Psicoterapia, mas o fato é que ela nunca soube, ao certo, se deveria portar-se como Ciência ou abraçar, de vez, a Filosofia.

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  6. O que o Deleuze esqueceu de mencionar é que, além dos planos de referência e de consistência, existem, também, os planos de cura, tipicamente exercitados nas práticas referidas pelo Cezar, no que é atinente às sabedorias perenes dos xamãs. Se a terapia é o "cuidado sagrado" prestado, como homenagem, ao altar do campo experiencial de uma divindade grega, essa atitude terapêutica quase não guarda proximidade de um plano de referência ou de consistência -- ao contrário, ela pressupõe um campo de implicação radical e confiança no movimento do mistério. Não estou dizendo que todas as Psicoterapias assumam esse lugar, até porque, hoje, como os Srs. sabem, Psicoterapia não é privilégio de médico e de psicólogo, e quando as Psicoterapidas adentram o campo da Saúde, tornam-se, elas mesmas, acessórios para uma ortopsicologia do corpo e higienização do bem-estar. Mas eu queria dizer que, ao se referir à Psicologia, em primeiro lugar, demarque o lugar dessa Psicologia que não coincide ao lugar da Psicoterapia -- ambas, desde a Declaração de Estrasbourgo de Psicoterapia (de 1990) é uma Ciência própria... então, a Ciência da Psicologia e a Ciência da Psicoterapia, ainda que guardando proximidades interdisciplinares, não se confundem uma na outra. Se você, Cézar, estiver me falando de Psicologia da Gestalt, então, posso entender que você esteja numa Ciência da Psicologia, e teria o compromisso metodológico com um plano de referência. Se você me falar de Gestalt-Terapia, ou eu te falar de ACP, então, posso entender que estamos numa Ciência da Psicoterapia que, em sendo Ciência, deveria resguardar um plano de referência. Ambas, com seus planos de mesma natureza, entretanto, conteúdos e demarcadores distintos, exatamente como a Ciência da Matemática e a Ciência da Química tem planos de referência distintos, porém, em comum, Ciências. Então, óbvio, que da qualidade de cientista da profissão de psicologia, e ocasionalmente visitante da ciência da psicoterapia, explicar e intervir continua sendo nossas bandeiras. Entretanto, preciso concordar que o "modo" como a Ciência da Psicologia operacionaliza o "explicar e intervir" é diferente do "explicar e intervir" da Ciência da Psicoterapia. (Talvez, quanto a isso, concordemos). E vou tomar emprestado, inclusive, o fato que, na Psicoterapia, parece mesmo que nossas variáveis assumiram contornos impossíveis de serem acompanhados - e, talvez, nós mesmos não queiramos monitora-los. Se as variáveis são dilatadas por demais, talvez um modo para elaborar distinções paradigmáticas entre os dois campos científicos (psicologia e psicoterapia) não diga tanto pela conclusão evidente do "explicar e intervir", mas, sobretudo, quais são as características que proporcionam uma dada cercania epistêmica. Em vez de explicar, necessariamente, o que está dentro ou o que está fora, em vez de buscar realizar uma perícia acerca do que é "controle e previsão", parece que culturalmente, no caso da Psicoterapia, a determinada qualidade de território/arena convencionou-se delimitar como Psicoterapia. Mais do que inocência, me parece indescência acreditar que, nesse território da Psicoterapia Experiencial, por exemplo, exista qualquer remota possibilidade de classificar, por exemplo, os fenômenos que alí ocorrem, os desdobramentos possíveis com os mesmos, e os encaminhamentos necessários para um e outro.

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  7. Talvez, nesse sentido, gostaria de propor, a partir do ângulo de um Psicoterapeuta Experiencial, que o a característica/crivo mesmo que distingue o nosso fazer é um plano de virtualidade - e, nem tanto, um plano de referência ou de consistência. É um plano, no sentido proposto pelo Deleuze, porque não suportamos o espaço-aberto indiferenciado do infinito, no qual nossas abstrações carentes de referências, perdem a capacidade de articulação. Entretanto, é um território suficientemente robusto e ampliado para conter e dar continência a uma variedade incrível de processos e experiências. Nesse sentido, talvez eu também possa concordar que, na maioria das vezes, em nossa fala, estamos por insegurança referindo-se a um plano de virtualidade como que projetado sobre um plano de referência: operamos, nos movimentamos, explicamos e intervimos na virtualidade, entretanto, quando a ideologia impõe restrições e exige respostas mais densas, estabelecemos correlados com o plano de referência correspondente ao processo/experiência que estamos percorrendo com o outro. Se esse contexto descrito puder ser tomado como válido, teríamos um problema muito prático: há espaço para validar um plano de virtualidade como legítimo em nossas práticas cotidianas? Um psicólogo poderia trabalhar em planos de virtualidade, e não em planos de referência? Ou, ao psicólogo, do modo como relações são necessárias junto ao plano de referência, a partir de um plano de consistência da Filosofia, também, por um procedimento semelhante, só poderíamos falar da Psicoterapia e do seu plano se, como psicólogos, aludíssemos um dos planos de referência politicamente instituídos?

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  8. (Preciso confessar que, na minha cabeça, os três planos dialogam e corroboram entre si, especificamente a partir de um plano de consistência do Pragmatismo e da Teoria da Experiência, um plano de referência da Psicologia e um plano de virtualidade da Psicoterapia Experiencial.)
    Sigamos em frente. Abraços de gratidão pela oportunidade do encontro cibernético.

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  9. Oi André, discordo de você que essa discussão seja inútil. Estamos tratando de questões de cunho de legitimação de uma prática, ou na verdade duas, a saber, a psicologia e a psicoterapia. Compreendê-las como campos distinto também possui uma questão política. Basta olhar praquilo que tanto discutimos: a legitimação da psicoterapia como um campo do psicólogo ou de outros profissionais.Essas questões, sejam em um debate entre amigos ou em uma conferência científica, é algo que me interessa, que eu me implico e que eu levanto a bandeira para solucionar problemas (ou pelo menos propor soluções com embasamento) sobre o assunto. Não vejo como inútil, mas sim como necessária. alguns pontos que levanto:
    1)Se a ciência psicológica e a ciência psicoterápico são definidos como campos distintos, então teoricamente deveriam partir de formações (acadêmicas ou não) distintas, dessa forma politicamente não caberia ao psicólogo a prática psicoterápica, mas sim a qualquer profissão que queira entrar no campo. Apesar de eu pensar bastante sobre isso, ainda acredito que a psicologia tem mais subsídios para trabalhar com a psicoterapia, pois seu campo dialoga diretamente com a psicopatologia, as teorias do desenvolvimento, as práticas de saúde psicológicas e etc. Dessa maneira, não acredito que essa separação seja interessante. Inclusive por questões de fiscalização, pois a prática anti-ética do psicoterapeuta precisa também ser legislada e fiscalizada por algum órgão público, e a psicoterapia se encontra diretamente com a psicologia clínica.
    2)As teorias psicoterápicas são também teorias psicológicas, pois propõe uma forma de compreensão do homem e suas relações. A gestalt-terapia por exemplo, possui um olhar de como compreender os processos relacionais humanos (inclusive a psicoterapia) mas também os constructos sociais. Isso quer dizer, além de ser uma teoria para uma práxis psicoterápica, é também uma teoria para uma leitura psicológica.

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  10. 3) A ciência reflete a partir de uma epistemologia, que é uma área da filosofia (ou mais especificamente, da filosofia das ciências). Concordo que existam outras áreas do saber, como as artes, as teorias orientais, religiões e etc. Mas elas partem de outros paradigmas, a ciência se utiliza de uma epistemologia (uma filosofia então) como forma de legitimação. Logo, se é uma "ciência" psicológica ou uma "ciência" psicoterápica, elas necessariamente precisam de uma referência epistemológica que a sustentem enquanto prática científica. Senão caímos no mesmo problema que eu falei no post, o simples fato de intervir e explicar, não é parâmetro para dizer que algo é ciência. A religião explica e intervém, mas nem por isso ela é (ou quer ser) científica.
    4) como você mesmo colocou, os três planos estão interligados, logo essa ligação se dá (acredito eu) por: um plano epistemológico (filosófico) que sustenta uma ciência psicológica que dá margem pra uma práxis psicoterápica (pois nunca conheci uma teoria psicoterápica que não se sustentasse em uma proposta de leitura psicológica.
    5) a discussão começou (para relembrar rsrsrsrs) na perspectiva de compreender se uma leitura filosófica poderia entrar em um estudo acadêmico em psicologia. Continuo acreditando que, por exemplo no meu mestrado, a reflexão filosófica (por exemplo a leitura de Levy e Deleuze sobre a virtualidade) serve para apontar a deficiência (no campo da ciência) da psicologia ao se falar das relações entre homem e máquina, pois as compreensões atuais tender a patologizar todos os tipos de relações entre homem-computador-rede. Por isso no meu projeto, a filosofia aponta uma inconsistência, mas uma inconsistência que eu acredito que é um mero mal entendido e uma leitura ultrapassada dos fenômenos psicológicos e sociais, e que pela psicologia temos como superar.
    6) Reitero a necessidade de se clarificar o próprio conceito de ciência com base nessas discussões, pois me parece que (de novo) a incongruência sempre vem ao não se apontar o caminho epistemológico que estamos seguindo para falar que determinado conteúdo é ou não científico.

    Abraços a todos! muito obrigado pelas contribuições! repito, não vejo como dentro de um plano de busca de uma teoria e prática sincera e bem embasada (pois tenho certeza que dessa discussão pensam e fazem isso, pois os conheço) isso pode ser considerado inútil! =)

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  11. Cezar, no que diz respeito à tal faceta regulatória da Psicoterapia e da Psicologia, em muitos lugares (vejamos a experiência da Comunidade Européia e dos EUA), as formações já são diferenciadas, em campos e políticas próprias. Basta você pensar que, no resto desse planeta, um psicólogo não é obrigado a estudar Psicoterapia... o máximo que ele pode chegar, enquanto currículo oficial, é Teorias Psicológicas acerca da Personalidade, entretanto, nem isso permaneceu como primazia ou preponderância ao debate, uma vez que as "Mudanças de Personalidade" não seguem, mais, a Teoria e a Epistemologia, mas, largamente, práticas baseadas em evidência, originárias, abundantemente, de referências ecléticos dos Common-Factors. Então, talvez, seja importante localizar se estamos falando de uma discussão da Psicologia, da Psicoterapia e da Ciência, ou um recorte, menor e mais próximo, da Psicoterapia no Brasil imbutida como Ciência Psicológica. Uma particularidade nacional que legitimou não apenas as Psicoterapias Humanistas serem referenciais de Psicólogos, bem como a própria Psicanálise, que Rafael também bem articula como alheia aos propósitos de controle e interdição, serem ofertadas dentro da Universidade. Com esta ressalva, eu, particularmente, concordo que, no Brasil, a Psicoterapia tradicionalmente tem sido gestada, pensada e avançada pela Psicologia, por psicólogos de carreira que estão exercitando práticas de psicoterapia. De um ponto de vista da razoabilidade, basta pensar o que significa Psicoterapia realizada pelos eventuais Psiquiatras e outros profissionais da saúde, sem os referenciais da Psicologia? Existe? (Eu me propus a esse desafio, e se vocês tiverem uma resposta, me sugiram: quero encontrar um manual de psicoterapia, no Brasil, que não fale de Psicologia). Essa discussão tangencial sobre a Psicoterapia é incrivelmente gigantesca -- como você já sabe -- e que implica, a rigor, diferenciar para você que se a Gestalt-Terapia é uma Psicoterapia ou uma Psicologia, e, depois, deliberar se Psicoterapia e Psicologia estão assentadas no mesmo terreno da Ciência ou não. Até onde tenho estudado e pensado, não especificamente sobre a Gestalt-Terapia, mas sobre a problemática da Psicoterapia na Psicologia ou não, a resposta tem sido apenas política. Vou te dar apenas um exemplo bobinho: numa parte do Canadá, sua Gestalt-Terapia é Psicoterapia, e, portanto, pertence a todos, enquanto ACP, Psicanálise, Sistêmica e Comportamental é Psicologia, e só pode ser feita por Psicólogos e Psiquiatras (www.cpmdq.com), e o critério de distinção é o mesmo apresentado pelo Rafael: psicologia "conserta" algo - inclusive, a Psicanálise. Eu não sei, a bem da verdade, se essa discussão de campos da Psicoterapia e da Psicologia nos ajuda, porque até onde entendo, no Brasil, estamos você, eu, Rafael etc na Psicologia como profissão. Então, supostamente, enquanto não sairmos do Conselho, estamos dentro de uma Ciência. (E, nesse caso, devo sublinhar que nos validamos como Ciência mais por política de regulamentação do que por adesão voluntária). Discutíamos, até onde me recordo, se vale a pena para um psicólogo-pesquisador gastar tempo formulando filosofias, em sendo ele proponente e advogado de uma ciência particular.

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  12. Talvez, uma questão que me salva aos olhos, é saber se o fato de você ser Psicólogo é compatível como seu lugar de trabalho na Psicoterapia, inclusive, seu lugar na Pesquisa que também versa sobre Psicoterapia. Grande nó... mas veja só: tenho tido essa experiência de diálogo com os "cientistas" da psicologia, nos Estados Unidos e na Europa, e quando a eles nos dirigimos com perguntas "epistemológicas" de fundamentação, a pergunta parece deslocada, porque eles não se percebem, a partir dos seus campos e trabalhos, com raízes de fundamentação numa filosofia de conhecimento ou das ciências. Parece que o trabalho deles legitima-se mais pela coerência metodológica e o alcance de suas intervenções em termos de resultado. Eu discordo que isso seja um procedimento razoável para pensar o que é ciência ou não, até concordando com você que uma mera intervenção não qualifica o campo. Entretanto, eu fico com a sensação de que seus argumentos partem necessariamente do pressuposto que todo seu conhecimento psicoterápico é psicológico. Mesmo que eu entenda sua posição, se eu pensar nos meus estudantes, ou nos estudantes de um currículo americano, eles não terão psicoterapia para referendar um currículo de psicologia. E outra: é possível, nessa mesma compreensão, vir da música (como um professor referência na ACP), ou vir da engenharia (na Psicanálise), e fazer formações paralelas, sem aprender nada de Psicologia. O recorte de uma Psicoterapia tem suas referências de desenvolvimento próprias, a ponto de não necessariamente acompanhar as injunções da Medicina e da Psicologia, ou de qualquer outra coisa mais. Acho que estamos discutindo, sobretudo, o fato de Interdisciplinaridades e Transdisciplinaridades (ao que me parece, para você, a Psicoterapia é um produto fusionado TransDisciplinar derivado da Psicologia com outras coisas, enquanto para mim, e outros, pelo menos a ACP é InterDisciplinar, dialogando com outros saberes, entretanto, mantendo suas especificidades disciplinares). O fato, ademais, de eu enxergar três planos interrelacionados não me autoriza a acreditar que para que a Psicoterapia exista isso seja um requisito. Pode até ser uma ótima sugestão, uma ótima e bem-vinda necessidade, mas não sei é enquadrado como necessário e suficiente para tal. Então, vou retornar ao suposto ponto de partida: se um psicólogo vai escrever sobre virtualidade-tecnológica ele deveria referenciar-se por ciências que lhe falem sobre virtualidade e tecnologias. Um psicólogo pode, se quiser, por necessidade de foro íntimo, buscar filosofia, mas nenhum psicólogo precisa saber ou ter que se referendar por aquilo que não é seu campo, tanto quanto não precisa saber ou estudar medicina, ou direito, ou física, ou linguística. Acho que esse é o meu ponto: de que a Psicologia pode dialogar com quem quiser, na medida única de sua necessidade e apetecimento. Se você, como psicólogo, quer falar de filosofia, seja feliz! :) Mas não é uma exigência nem da Ciência Psicológica, nem, dependendo do seu referencial e do seu posicionamento, da Ciência Psicoterápica. LOOOONGA CONVERSA (eu vou te convidar para ser debatedor em um evento sobre isso, que estou organizando, no final do mês, lá na Faculdade). No mais, o pretexto do inútil que me refiro não é a discussão - que, você sabe, permeia nossas madrugadas dialógicas. Fico feliz se a tônica lhe faz sentido -- talvez, para mim, que já estou debatendo e estudando essa questão da Regulamentação, há mais de um ano, o cansaço tenha se imposto com maior ênfase que a curiosidade.

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