O lugar do gestalt terapeuta não é o de
compreensão. Na verdade, o lugar do clínico é de frustrar-se do lugar de
compreensão e acolher o lugar da criação. É só porque podemos aceitar e
suportar o lugar do descentramento (tal como proposto pelo casal Muller-Granzotto
em seu novo livro Psicose e Sofrimento com base em Merleau-Ponty), que podemos
nos investir do salto em relação ao limite da neurose. O lugar da neurose, esse
sim é o lugar do entendimento. A neurose, como uma construção recente da
humanidade (a antropologia da neurose de PHG), é a tentativa de significar e
dar nome a uma formação da segunda natureza. Por isso que o ato inibitório é também
o lugar de tentar nomear uma cena que poderia justificar tal ato (por isso que
a cena traumática sempre aparece no campo da fantasia).
Assim, o que o clínico ouve não é a construção
biográfica do cliente, mas sim, o lugar que o cliente quer que o terapeuta
ocupe (ou seja, tal como Perls, trabalhar os aspectos manipulativos da relação).
Essa é a evitação própria da neurose: ocupar o semelhante em um lugar
específico, pois essa é justamente a estratégia de evitação do descentramento.
Se o que eu posso assegurar de mim só se faz na intersubjetividade, eu preciso
cristalizar outrem para manter a minha segurança. Aí temos o porquê da frustração
como recurso clínico: ao não assumir esse lugar, estou suportando o caminho da
criação.
Isso nos possibilita olhar para o campo da
evitação (neurose) a partir de três premissas:
i)
Tal como PHG
nos mostra, o que o cliente não consegue fazer é relaxar e não censurar. Na
verdade, a situação clínica sempre pede que o cliente ataque e tente destruir o
clínico. Isso porque, frente à ansiedade, o cliente só encontra duas formas de
proteção: atacando o próprio corpo (discutiremos o corpo a seguir) ou o
semelhante (o terapeuta). As duas formas são medidas de segurança para impedir
o encontro com outrem (porém, uma ação sempre em vão).
ii)
A ansiedade é
o resto que sobra de toda investida contra o corpo. Porém, apesar da pouca
clareza de Goodman sobre o tema (recorrendo a Reich e a Lowen para entender a
corporeidade) podemos reinterpretar o corpo como o “lugar” da natureza
(animalidade) e da segunda natureza (a formação dos hábitos). Assim, a proteção
é contra toda forma de excitamento que surge e que tenta deslocar o já
estabelecido. Por isso, metaforicamente, a ansiedade é a “febre” do campo
experiencial, ou seja, é uma forma de proteção a todo corpo estranho. O ato
inibitório nada mais é que um hábito aprendido como resultado de uma
necessidade inacabada. Sendo assim, o que é retido não é o conteúdo referente à
experiência, mas o modo (ou o como) que a experiência foi impedida. Desta forma,
o cliente aprende a defender-se de um novo jeito e aplica essa forma de defesa às
relações de campo. Uma nova teoria do corpo (o aporte Merleau-Pontyano proposto
pelo casal Muller-Granzotto, por exemplo) pode nos ajudar a reconstruir a
dimensão corpórea da gestalt-terapia (que precisou situar-se na discussão
Reicheana).
iii)
Insistimos na
idéia de reler a intervenção terapêutica da clínica da neurose proposta por
Perls a partir da díade Frustração e simpatia (ou suporte). Frustração é antes
de qualquer coisa frustrar-se. Frustrar-se de:
a) Se colocar no lugar compreensivo e de entendimento,
como o de alguém que é capaz de abarcar o conteúdo da ambigüidade do outro. Não
há lugar, na intervenção clínica da evitação, para produzir um saber sobre o cliente
(ou na ótica psicanalítica – Quinet – o discurso histérico). Precisamos
ressaltar que a intervenção clínica da evitação não se confunde com o tempo
cronológico da sessão, ou seja, o cliente e o terapeuta podem tentar produzir
um saber sobre o sintoma, mas esta não será uma intervenção no campo da evitação.
O propósito da clínica gestáltica não é o da ressignificação da experiência,
mas sim, o da resignação à experiência.
b) Enquadrar o cliente em um lugar já sabido
(neurótico, retroflexivo, compulsivo, etc).
c) Também o
clínico deve frustrar o lugar em que é convidado a participar pelo cliente
(modelo, professor, réu, etc.)
Dessa forma, frustrar é também suportar o lugar
de descentramento. Somente ao suportar esse lugar, podemos convidar o semelhante
a participar dele. O cliente e o terapeuta conseguem, por meio da frustração e
do suporte, se encontrar no lugar da criação e do ato (função de ego). Só assim
podemos de fato alcançar o propósito da clínica gestáltica: o lugar da criação.
Gostei muito, atualmente estou estudando Merleau-Ponty e compreendi ainda mais, abraço Sheilly Anne
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