quarta-feira, 27 de abril de 2011

Manifesto em prol da Teoria Gestáltica (reformulado)



“A prática da psicoterapia é diferente da teoria, na prática as coisas não são como nos livros”. Professei por deversas vezes esse absurdo. Uma formação “humanista,  me emprestou uma série de jargões: “ A suspensão fenomenológica  – abrir mão dos aprioris para compreender o cliente tal como ele se apresenta “; “Compreender o cliente tal como ele é, e por isso não interpretar ou teorizar sobre ele”; “ Sendo o homem um eterno devir, não podemos enclausurá-lo em uma teoria”.

Sempre fiquei muito incomodado com essas colocações, pois, de fato, elas se tornavam incompletas. Estas posturas não me respondiam o porquê da necessidade da criação de conceitos, não me respondiam o porquê da incompatibilidade entre o que de fato era fenomenologia e o que essas abordagens indagavam. Elas não respondiam o que é esse “outro” que tanto devo buscar compreender, e como que é possível compreendê-lo (tenho me dedicado a esse tópico ultimamente, quero depois escrever mais sobre isso).

Continuo acreditando que a relação terapêutica não é um espaço de teorização, mas não que ela seja “ateórica”. Em gestalt-terapia, Perls e Goodman nos mostram a teoria por trás da não teorização, ou seja, a intenção que se faz presente no “ato” terapêutico. A psicoterapia não é uma ação solta, não é somente um mero encontro humano.

Ela se faz como encontro, mas busca algo, busca uma fuidez do self, busca uma postura diferenciada do psicoterapeuta de buscar formas de awareness. A construção de um campo clínico não é algo fácil, e por isso precisa de prática, estudo, treino e dedicação.
Quando dizemos que na relação terapêutica encontramos um só sistema self, que ali não se trata de duas pessoas, mas de um campo clínica que se atualiza, há, implícito nessa compreensão, toda uma leitura fenomenológica da relação, e por conseguinte, toda uma compreensão gestáltica do que é o homem e o mundo. Digo não ao fantasma criado por trás da dicotomização teoria e prática. Se a teoria não serve na prática, está na hora de jogá-la fora. Estamos a séculos lutando contra o prejúizo grego de diferenciação entre teknhé e episteme, e a psicologia de forma geral ainda é uma das grandes difusoras dessa dicotomia. 
Acho estranho que tanto seja dito que a gestalt terapia é uma abordagem plástica, e que por isso sua epistemologia pode ser transformada. Ouço que a gestalt-terapia não precisa de teorização, mas ao invés disso, muitos se enchem de filosofias como Nietzsche, Sartre, Buber, Heidegger, filosofias orientais, ou o que eu acho mais estranho,se apropriam de Winicott, Rogers, Binswanger, Boss. Eu sempre me questionava: se eu acredito que a abordagem centrada na pessoa cabe na GT, porque não sou rogeriano? Se acredito tanto na leitura heideggeriana, porque não faço daseinsanálise? Às vezes, me agarrei tanto no discurso fenomenológico existencial da minha abordagem, que não me dei conta da imensa baixa auto-estima que me atravessava, precisei me encher desses filósofos por não acreditar no que eu entendo como a abordagem que trabalho em minha prática clínica.
Reconheço isso, mas também reconheço agora a beleza e profundidade dos escritos de Goodman e Perls. Se Goodman escreveu o Gestalt-terapia como um ensaio, se Perls misturou sua prática com sua vida pessoal, não sei, só sei que suas idéias, pra mim, fazem sentido. Ainda quero estudar muita filosofia, ainda quero articular GT com outros saberes, mas não quero elimar a gestalt-terapia dessas articulações. Quando leio Merleau-Ponty, por exemplo, vejo não só a genialidade desse filósofo, mas reconheço quanto que Goodman pode ser pensado junto com essa filosofia, porém, sem eliminar a genialidade de Goodman.  

Escrevo em prol da restituição da teoria da Gestalt-terapia, mesmo que seja para jogá-la na lata do lixo. Que teorizemos e estudemos muito sobre não teorizar. Que cada vez mais possamos saber e compreender porque não teorizamos na ação clínica, mas que possamos reconhecer que essa atitude tem uma base sólida e bem construída.

Se na prática a teoria não cabe, ou temos uma teoria fraca, ou uma prática mal feita.

4 comentários:

  1. oh yes!!! de acordo.
    ei, muda o nome do meu blog no teu, ainda tá como Pas de Sens e agora é Dito e Dizer de novo faz tempo. thank you.

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  2. Como diz Jean Clark Juliano, "Para o terapeuta, tudo o que é apresentado é novo..." A teoria tem sua importância, mas não dá de conta por completo do "novo" que cada "novo" cliente traz consigo em cada encontro. O bom é que não dá para criar um estereótipo de cliente, baseado na teoria, por que na prática a coisa é bem diferente. É mais atraente saber que a prática é um processo a ser construído e não algo fixo, rígido.

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  3. Marcus, que bom encontrar interlocutores tão lúcidos! E a tua escrita tem aquele "poder" de fazer a crítica sem aniquilar o pensamento alheio.
    Agressão não-violenta, como a boa tradição da GT.

    Abraços de Florianópolis ao casal do Cariri!

    Diogo

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  4. Márcio,
    E o que eu acho mais interessante na GT é que ela nos possibilita uma teoria que abre o campo da fluidez. Podemos pensar em transformação a partir de uma ótica gestáltica!

    Diogo,
    Muito obrigado pelo comentário e obrigado pela visita!
    Um grande abraço daqui do Ceará!

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