sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Morte do Sujeito e a Gestalt-Terapia

Parafraseando Nietzsche: “o sujeito está morto”. Isso é aceitar que a certeza de nós mesmos, a segurança do íntimo, se despedaça em nossa frente tal como um jarro que, mesmo colado, mostra suas cicatrizes e marcas do inevitável. Até Freud, um dos grandes rebeldes do sujeito, teve que, de início, individualizar o inconsciente e o aparelho psíquico para conseguir dar conta da falta. Por mais infeliz que essa sentença seja (experiencialmente e teoricamente), podíamos dizer: pelo menos o meu inconsciente é meu.
Ledo engano. Em sua trajetória, ele precisou rever suas ideias, ideias que também foram mais radicalizadas de forma contundente por seus sucessores, Deleuze, Lacan, Merleau-Ponty e outros. A morte do sujeito não é um dado teórico, é uma realidade vivida. Encontrar-me com o que foge a mim mesmo e tentar segura-lo como a areia da praia é um dado que me arrebata. A areia escorre pelas mãos, mas os poucos segundos de se sentir dono dela nos faz gritar os pronomes “eu” e “meu” e excluir a impessoalidade do “nós” e do “a gente”. O caráter passageiro dessa sentença é um reconhecimento daquilo que somos: puro devir de um ser-no-mundo.
Perls sabia disso. Em seu primeiro trabalho, retirou do ego o estatuto de substância e incluiu uma leitura organísmica, aceitando a inseparabilidade do organismo/ambiente. Porém, foi junto com Goodman que ele bateu o martelo dessa inseparabilidade. Ele passou a denominar de self a saída para o fim do sujeito. O self é o campo organismo/ambiente, a minha inseparabilidade do mundo e do outro, e o entendimento que tudo faz parte de um mesmo campo. Um campo que eu desconheço, que me escapa mas que me aceita como intruso. Sou intruso e paradoxalmente também sou ele: sou o campo e pertenço ao campo.
Perls e Goodman foram categóricos ao afirmar que a insígnia “ seja você mesmo” é absurda. Absurda por que ela tenta paralisar o campo, recortar no tempo e no espaço uma tentativa de me definir. É como uma fotografia, depois dela, o cenário já mudou, já passou e nunca mais será o mesmo. O passado se reconfigura a cada momento, o futuro é incerto e o presente é o potencial de criação. O self é sempre criação. Merleau-Ponty dizia, sobre a liberdade, que existiam duas certezas: a de que o passado nunca nos abandona e que nós não seriamos determinados por ele.
Perls e Goodman já falavam isso ao entender o ajustamento criativo: o processo do campo de se manter e de se recriar. Eis a frase que deu nome a esse blog: "A autopreservação e o crescimento são dois pólos de um mesmo processo: Apenas aquilo que é preservado é que pode crescer pela assimilação, e só aquilo que assimila a novidade é que pode se preservar, não degenerar..." (Perls, Hefferline e Goodman, 1951)

3 comentários:

  1. Olá, adorei "a sua morte do sujeito"!!! É tão clara e tão complexa ao mesmo tempo. Como um sujeito pode doar-se à morte (a um recomeço) adaptatita, criativa, filosoficamente e ao mesmo tempo cuidar da autopreservação e crescimento?
    As mesmas linhas da história que se cruzam também ficam paralelas e opostas, afinal o que é um ser? e o que é SER? Se algo nos conduz, mesmo que no campo da energia e essa mesma energia se dá no momento em que existe a VIDA vou me aproveitar também das palavras de Nietzsche quando diz: " O que não provoca a minha morte, faz com que eu fique mais forte."


    Alexandra Veras

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  2. Parabéns pelo blog cara... Muito bo seus textos! Vou visitar sempre!

    té mais!

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  3. Muito bom,, Vc poderia me enviar as referencias bibliograficas?? Sou estagiaria de Psicologia na abordagem gestaltica e tow fazendo minha monografia sobre morte! Ficarei muito grata! e-mail: catarinacipriano@yahoo.com.br

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