terça-feira, 28 de julho de 2009

O virtual

Eu ultimamente não pude sentar e escrever. Muitas coisas pra serem resolvidas, organizadas e arrumadas. Agora estou com o tempo um pouco mais sossegado ,mas na minha cabeça muita coisa ainda precisa ser resolvida,organizada e arrumada.

Como eu coloquei antes, são muitos temas. Talvez não seja possível articular todos, mas provavelmente seja possível entender pontes.

Minha dissertação é sobre “namoro virtual”, já é possível ver pelo menos dois problemas nisso. O primeiro é o que define um namoro, o que ele é e em qual contexto ele está inserido. Esse eu vou deixar pra depois, não é o meu foco agora.

O segundo é a própria idéia de virtual. Se eu faço um rápido Brainstorm o que vem de virtual é: virtualidade, artificial, ciberespaço ,cibercultura, tecnologia,técnica. Talvez eu tenha que concordar com o meu amigo André que a noção de virtualidade chama o artificial. Mas não necessariamente.

Pierre Levy (um dos principais autores que eu estou trabalhando) mostra que o virtual se opõe à atual, ao invés de real. Isso quer dizer que o virtual não é algo irreal, ou imaginário, ou uma alucinação coletiva, mas sim algo que pode se desdobrar pra onde não podemos prever.

A trilha é aristotélica, algo existe em ato e em potência. Uma semente é uma árvore em potência. O potencial é um crescimento já sabido, um desenvolvimento que sabemos pra onde caminha. Eis porque a necessidade do virtual. O virtual é aquilo que não podemos delimitar, algo que no fluxo temporal se constitui como um futuro sem predisposição necessária. Me parece agora bem próximo do CLINAMEN epicurista, que é o desviante, o incalculável. Se voltarmos pra semente ela é potencialmente uma árvore, mas virtualmente uma miscelânea de formas e tamanhos que não podemos ainda supor.

Isso significa que a virtualidade não é necessariamente ligada ao computador. Nossas relações são virtualizadas, transformadas e reconstruídas a cada contexto e campo que se reconstrói. Virtual é um conceito retomado por Deleuze e emprestado por Pierre Levy pra falar sobre isso que, no meu entendimento, escapa e cria movimento, possui regras próprias se constitui de várias maneiras sem podermos delimitar pra onde e como vai. Chamem isso de formação de gestalten, inconsciente, experiência organísmica ou linguagem (todas essas palavras são meras provocações), eu agora procuro ver como processos de virtualização. Essa é a lente que (por enquanto) eu procuro olhar pra experiência e dar conta do meu objeto.

Retomo agora a discussão inicial: “namoro virtual”. Essa segunda palavra atesta que em primeiro lugar não podemos chamar esse tipo de relacionamento de falso ou imaginário. Freud já foi muito feliz em nos mostrar que não podemos falsear a fala em primeira pessoa, esse não é nosso direito nem o nosso dever enquanto psicólogos, psicoterapeutas ou analistas. Em segundo lugar essa palavra também atesta os movimentos que esse relacionamento tem, e que por isso mesmo não podemos necessariamente fadá-lo ao fracasso.
Idealização do outro? Imaginação? Enganação? Ok, tudo isso pode acontecer, mas as teorias contemporâneas não concordam que isso também acontece nos “relacionamentos normais”?

A psicologia é nova demais pra ter consistência suficiente e velha demais pra compreender os fenômenos contemporâneos. As relações mediadas por computador aliadas às presenciais mediadas por outras tecnologias (celular, palmtop, aviões, ar condicionado...) nos obrigam a repensar vários conceitos e temas da psicologia e psicoterapia: corpo, cérebro, relação terapêutica, solidão, conjugalidade, linguagem, ética, psicopatologias, ciência e comunicação. Uma das saídas que eu enxergo de integração daqueles temas do outro post é por esse caminho, vamos ver o que é possível ser feito....


2 comentários:

  1. Querido Amigo,
    Li seu post com a atenção que você merece. Gosto de percorrer suas palavras - você já deve supor que isso aplacar minha solidão de criaturas pensantes.
    Eu concordo, inteiramente, com os seus argumentos, porém, fico a refletir que essa noção de "Virtual-Movimento", emprestada do Deleuze, tem lá sua matriz originária, numa Epistemologia terceira à Psicologia. Na verdade, pertence, claramente, a uma proposta de Filosofia das Vertigens, essa tal Filosofia do Espanto e da Desconstrução Francesa (Derrida, Deleuze, Guattari, Foucault etc). Quero dizer com isso que o Deleuze não cunhou, ou se apropriou, desse conceito, gratuitamente, e, muito menos, sedimentou-o no Projeto de Filosofia que ele estava construindo, por alguma leviandade. Se isso é verdade, então, a "virtualidade", para o Deleuze, é uma necessidade conceitual para operacionar e legimitar o movimento, espanto, susto, colapso, que a Filosofia dele se propõe. (Os filhos carregam as linhagens dos seus pais). Sob esse prisma, quando você fala de Virtualização, estou escutando, a partir do Deleuze, você solicitando-me (leitor) permissão para realizar um empreendimento filosófico, um deslocamento sobre um Plano de Imanência (afinal, para o Deleuze, livro "O que é a filosofia", as Filosofias carregam seus "planos de consistência", enquanto a Ciência, "planos de referência"). Ok, se for isso. Contudo, em sendo, você está fazendo Filosofia. O que isso tem a ver com a Psicologia? Você está querendo construir um trabalho conceitual, do ponto de vista Filosófico, acerca da Virtualidade? Porque, se não for, você deveria se haver com o fato, concreto, a responsabilidade, real, de transfigurar "Virtualidade" e "Virtualização" como categorias de ciência (segundo o mesmo Deleuze, dentro de um "plano de referência"). Eu te escuto, da Psicologia, tentando se aproximar "disso", dessa coisa estranha e estrangeira, qual seja: como pensar uma cateogira de Virtualização, entendendo "Virtual como Movimento", a partir de uma "referência" na ciência Psicológica. Se Virtual é Movimento, então, você deveria procurar respostas, para isso, na sua "Ciência" da Gestalt-Terapia - em algum lugar, por lá, onde se fale de Movimento/Deslocamento, para você fazer suas aproximações. A parte do "namoro", e, mais especificamente, do "namoro virtual", fica para outra ocasião.
    Abraços, A.Feitosa.

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  2. Entendi André. Acredito que você tenha razão nesse ponto, que, como você colocou a questão é de cunho filosófico e não psicológico. E mais, uma filosofia descontrutivista. A minha questão de reflexão (e não de produção científica) é realmente de poder pensar de modo transversal à psicologia uma nova via de compreensão que abarque o movimento que a tecnologia propõe sem necessariamente moralizá-lo. Em outras palavras, quero compreender os contornos atuais de comunicação e tecnologia dentro da vida humana sem patologizar ou fazer analogias esdrúxula com as teorias psicológicas.

    Me lembro agora do Rafael falando do quanto era absurda uma discussão que ele fizera parte onde uma das pessoas (sobre aquele acidente do air france) começou a falar da caixa preta do avião como o "inconsciente do avião".

    Esses e outras absurdos ouvimos todos os dias, de uma incapacidade da psicologia de acompanhar os movimentos (que são virtuais nessa visão) que a sociedade caminha e que sempre procuram referenciá-la em modelos que são de uma era atrás. E ai os estudos dizem que:
    - as pessoas não lêem mais por causa da internet,
    - estão passando por processos patológicos de exposição através de blogs, sites de relacionamento e etc.
    - Possuem medo de contatos "reais"
    - e etc.

    Todo um discurso moralizante baseado (e aqui tem a nossa culpa também) em um discurso que afirma o toque e o contato físico como atualizantes, auto-reguladores ou criativos e por isso a internet é um tipo de "mal do século".
    E aí digo de novo que precisamos repensar conceitos como privacidade, comunicação e etc.

    Por isso eu reconheço um certo preconceito meu, eu acredito que a filosofia pensa mais que a psicologia, justamente porque ela não está atrelada em um discurso social de melhora e "vida saudável" que a psicoterapia e a psicologia tem contas a prestar.

    Mas gostei da tua idéia de reconhecer esse movimento dentro (ai aqui são palavras minhas) da epistemologia da GT, porque acredito que são questões de base e quero não cair no erro de ir para a ponta (práxis) sem uma boa sustentação. No trabalho acadêmico vou procurar fazer essas amarrar pra construir um discurso que seja científico e psicológico (porém pensante) e não cair em um “filosofismo”.
    Gosto de conversar com você pois me faz pensar.
    Um grande abraço
    Marcus Cézar

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