terça-feira, 23 de outubro de 2007

E se tudo que eu imaginasse ruísse?

E se tudo que eu imaginasse ruísse? Sentir o gosto azedo do descaso ou o gosto amargo da vingança. Cada momento é como o primeiro gole d´agua da manhã....a primeira respiração de um bebê. O ar entra rasgando e diz “bem vindo ao mundo”. O primeiro contato é puro sofrimento, é o desconforto que entra pelo nariz suprindo uma necessidade...mas causa dor, medo e destrói tudo que parece certo, organizado e bonito. Antes era tudo paz, pouco som e pouca luz e de uma hora pra outra é pele com pêlo, ar por água e choro por tudo. É nosso segundo mundo.

E se tudo que eu imaginasse ruísse? O último gole da cicuta e a certeza de que não existe vida após a morte. A pergunta fica, e se arrependimento matasse? O que matou foi não se arrepender. A carta, o ópio, a lente, a vela, o quarto, o final. O conjunto da obra. A saída do transe, a sobra de tudo que parecia tão certo e tão vivo por morrer. Tudo se torna fim e por fim não recomeça mais.

E se tudo que eu imaginasse ruísse? A solidão de ir e vir sem o colchão quente, sem os lençóis mexidos: a despedida. É não olhar pra trás...e se olhar, ver que não tem quem se despede. E do acaso ao descaso se encontra só e perdido, aéreo por opção.

E se tudo que eu imaginasse ruísse? Não sou tão feio, não sou tão burro, não sou tão ruim, não sou tão magro, não sou tão alto, não sou tão bonito, não sou tão gordo, não sou tão inteligente, não sou tão bom...não sou. Insisti tanto, relutei sem dó e descobri que não sou. Ressurgi tantas vezes com tantas propostas, com tantos dizeres, com tantas frases feitas e com tantos jargões. E por tantas vezes que ruiu, tudo desabou.

E se tudo que eu imaginasse ruísse? Errei por tantas vezes que arriscar se torna secundário. Tornei-me passado e como passado me lamento. O corpo trava, a língua trava e o medo trava. Por estar lá, me falo de mim como lembrança e me confesso que de tudo que estava certo os “eu te disse” pesam mais. Quero esquecer que um dia eu pude acreditar...quero me sentar em um quarto escuro e fingir que tudo se corrige linha por linha se ninguém se mexer.

Á ferro, fogo e a caneta o mundo não se apaga. Cada flor, cada céu e cada beijo se sentiram acuados por não ter certeza se podiam desabrochar. Cada espinho tira sangue sem querer, mas protege e peca por sobreviver, porque fez o que pôde. Cada manhã fere os olhos mais preocupados e não pede desculpa por machucar. Cada beijo é tímido, mas intenso. É moído de razão e sentimento, pressão e saudade, pois no encontro se despede.

E se tudo que eu imaginasse ruísse? Talvez ainda existisse a chance de recomeçar.....

5 comentários:

  1. Tudo ruiu...e o recomeço começa a parecer um possibilidade.

    YO.

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  2. me gusta mucha teu texto. na verdade tudo já ruiu, nós é que insistimos em manter a matrix

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  3. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  4. Tudo está ruindo e ruirá um dia de vez, mas também será reconstruido totalmente novo.

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  5. Um texto poético e intenso que fala dos conflitos do nossos "EUS"...Me indentificar com ele não foi mera semelhança! Adorei...Abraços!

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