A escola moderna é
sem dúvida a filha mais perfeita do humanismo, pois, é na escola moderna, como
diria Paul Goodman, que as crianças aprendem que a vida é rotina, que é
desvitalização e inutilidade. O ideal humanista pressupunha que as pessoas
deveriam ser escolarizadas para que pudessem se tornar humanas e, por isso,
socialmente reconhecidas. O letramento tornou-se o rito de passagem segregador,
que divide claramente os capazes e os incapazes, os certos e os errados. Uma
educação que presa prioritariamente pela sabedoria (não popular) e o acumulo de
conhecimentos, tudo isso junto ao enquadramento a um modelo igualitário (que
beira a indiferença) e ao mesmo tempo segregador.
Talvez tenha sido
John Dewey um dos primeiros educadores que tentou destituir o modelo humanista
de acumulo de conhecimentos e tentar imputar uma nova forma de configurar o
lugar da educação. Sua proposta era a de inserir uma atitude diferenciada ou
curiosa e uma boa dose de metodologia científica nas crianças. Assim, o
professor não era o tutor do conhecimento, mas era um facilitador que tinha
como objetivo ajudar o aluno a ser capaz de construir um problema, buscar
formas de estudo sobre o problema, levantar e aplicar hipóteses e por fim, solucionar
o problema. É claro que essa metodologia empirista de educação não ficou livre
de críticas e que seu pragmatismo foi muitas vezes confundido com uma forma de utilitarismo
exacerbado. Porém, é louvável o apontamento que Dewey denota do fim (ou crise)
do projeto humanista e a necessidade de uma mudança intensa das políticas de
educação.
Mas porque tanto
alarde para um possível fim do humanismo? O problema do fim ou crise do humanismo
é um dos principais fundamentos do debate dos séculos XX e XXI, que denota a
guerra constante entre os ‘’modernos’’ e os “pós-modernos”. Grosso modo,
podemos dizer que o debate acerca dessa problemática ronda em torno de uma pergunta
fundamental: é ainda possível que seja cumprida a promessa da modernidade? A
modernidade buscava o esclarecimento nos caminhos de Descartes, Locke, Kant e
Hegel. Para todos eles, de certo modo, era a razão (ou esclarecimento) a via
possível para o desenvolvimento de uma educação (e, por conseguinte uma
sociedade) humanitária.
O século XX viu
como os próprios olhos o resultado da filha mais amada da modernidade, a saber,
a ciência. O fascismo, a bomba atômica, a eugenia, as estratégias midiáticas de
controle popular, tornaram a promessa moderna de salvação pela razão, um problema
que os Frankfurtianos não se esquivaram de debater. É claro que é ingênuo pensar que esse debate
não tenha afetado o melhor instrumento da modernidade, a saber, a escola.
No belíssimo livro
chamado “A nova filosofia da educação” de Ghiraldelli Jr e Susana de Castro,
Ghiraldelli Jr nos aponta o lugar da escola na normatização da sociedade
moderna:
“É
como se a era da individualidade, da democracia liberal moderna tivesse
desembocado na era da democracia das massas em que todos são individuados, mas
não se tornam indivíduos, uma vez que a prerrogativa destes, a autonomia, é em
grande medida ilusão. A escola, nesse meio, é a máquina produtora dos que vão
viver essa ilusão.” (p. 46)
Goodman já havia
mostrado em seu ensaio Freedom and
Autonomy de 1972, que o grande erro da sociedade ocidental é busca
constante de liberdade e não de autonomia. A liberdade política é uma ilusão
neo-liberal, enquanto que a verdadeira política nasce da verdadeira autonomia. Goodman sabia que o modelo escolar em nada
colaborava na produção de uma autonomia, pois, como ela afirma em Compulsory Miseducation, é na escola
E não em casa ou em
contato com os amigos, a maioria dos nossos cidadãos de todas as classes aprende
que a vida é, inevitavelmente rotina, despersonalização e venalidade, que é
melhor obedecer e calar-se, que não há espaço para a espontaneidade, a
sexualidade aberta e liberdade de espírito. Formados nas escolas, se adaptam
aos mesmos postos de trabalho, à mesma cultura, e à mesma política. Esta é a
educação, a deseducação, a adaptação às normas nacionais e o enrolamento em
função das ‘necessidades nacionais’. (Goodman, 1964, p. 23 )
Sem dúvidas o
projeto moderno transformou o homem em um objeto de estudo moldável, objetivo e
parte da natureza comum. Goodman, nesse sentido apresentava uma antítese do
naturalismo tal como ele é pensado pelos modernos. Sim, o homem é natural, mas
a natureza não pode ser entendida como um lugar estático e previsível, objetivo
e capaz de serem inferidas leis determinantes e invariáveis (seja sobre o homem
ou qualquer outro campo natural). Goodman apontava uma leitura do universo
quase como a de Lucrécio e sua imprevisibilidade dos átomos, ou Heraclito e o Panta Rei. Goodman concordava diretamente
com a ideia de uma natureza que tem uma força motriz, tal como o Elán Vital
Bergsoniana ou com a natureza como um ser bruto tendo como princípio a
diferenciação constante, como encontramos em Merleau-Ponty. As intenções de
Goodman eram como muitos tentaram afirmar, quase teológicas.
Dentro desse
paradigma, as escolas precisam irromper com o fundamento da modernidade e
assumir esse novo lugar. Essa nova proposta foi constituída a partir de
influências pragmatista, mas principalmente de base fenomenológica. Para
Goodman a escola deve ser o lugar fundamental de aprender e reaprender a ver,
ouvir e sentir o mundo, não porque isso precisa ter uma repercussão prática,
mas para aprender a acolher a vida como potência e criação. A escola não deve
ser um lugar de aprendizado de conteúdos rígidos, mas um ambiente livre de ir e
vir (Literalmente, pois Goodman era contra a obrigatoriedade escolar) e que
buscasse a educação estética. Talvez Goodman, concordasse que, duas áreas quase
que negligenciadas na educação básica, a saber, a educação corporal (Física) e
artes, deveriam ser basilares para a constituição da criança. Isso porque, é na
vivência do corpo e da expressividade que aprendemos a ampliar nossos
horizontes de curiosidade e aprendemos a acolher a diferença no mundo e em nós
mesmos. A escola deve ser o espaço de acolhimento aos conflitos genuínos, à
aquilo que é estranho e ao indefinido, e se distanciar do espaço de
conhecimento do já dito.
Para Goodman, a escola ainda é o principal
instrumento de transformação social e política e nisso ele não abandona o
projeto moderno. Mas somente quando a escola deixar de ser um espaço
centralizador, totalitário e que inibe a criatividade, é que poderemos de fato
trazer transformações significativas no status
quo social e político. A escola no modelo Goodmaniano, se enquadra no
clichê, mas que poucos aplicam: a escola não é o espaço fechado de estudo, mas
a própria vida e a própria comunidade. O modelo escolar de Goodman é o de uma
escola sem prédios, que os tutores caminham pelas ruas e que estão articulados
com a própria comunidade. A escola promove a experimentação, a ação genuína e a
problematização não de uma hipótese científica, mas da própria vida.
Esse é o fundamento
de uma educação propriamente anarquista, ou porque não dizer, gestáltica.